Enquanto algumas pesquisas associam a rede social à palavra ‘diversão’,
outras mostram como as pessoas se deprimem quando seus ‘posts’ recebem poucas
curtidas
POR THIAGO JANSEN
08/06/2014 6:00 / ATUALIZADO 08/06/2014
9:23
Rede social polêmica: pesquisa
controversa da rede gerou críticas e acusações de usuários e especialistas - AFP
RIO - Quase 20% dos sete bilhões de habitantes da Terra estão por lá. O
Facebook virou a grande praça do nosso tempo, um lugar de encontro e relações
sociais que atrai crescente atenção do mundo acadêmico, de olho na compreensão
dos efeitos que essa enorme interação exerce sobre o comportamento humano. São
tantos os estudos focados na rede criada pelo americano Mark Zuckerberg quantos
as conclusões a que eles chegam. Mas duas ideias perpassam todos eles: é
difícil entender esse fenômeno totalmente, assim como, a depender de grande
parte dos resultados a que chegam, é quase impossível ser feliz no Face.
"Efeitos"
das redes sociais sobre os usuários intriga os cientistas - Arte de André Mello
Vejamos: mês passado, a universidade australiana de Charles Sturt, por
exemplo, revelou que quanto mais uma mulher publica informações sobre si na
rede, mais solitária ela se sente. Ao mesmo tempo, a também australiana
Universidade de Queensland publicou duas pesquisas que cravam: a falta de
acolhimento e aprovação ao que publicamos — em outras palavras, poucas curtidas
aos nossos posts e fotos — nos deixa verdadeiramente angustiados e infelizes. No Reino
Unido, estudiosos da Universidade de Stratchclyde que analisaram o
comportamento de 881 jovens com idade média de 24 anos concluíram que quanto
mais tempo eles passaram no Facebook, pior se sentiram. É que, embora muita
gente costume retocar suas fotos com programas de edição ou, ao menos, escolher
as melhores imagens para postar, acaba se esquecendo de que outros também o
fazem e se deprime ao se deparar com a beleza alheia.
O diretório do instituto americano Pew Research Center, que agrega
pesquisas, apresenta mais de 1.200 resultados quando se digita a expressão rede
social. Se a busca é por Facebook, são mais de 1.600 entradas. Nem todo esse
universo, claro, é deprê. Um trabalho da Universidade de Connecticut (EUA) de 2012 “revelou” que
o Facebook é um nome associado à diversão. E, no ano passado, a prestigiosa
Universidade de Cambridge, na Inglaterra, sugeriu que pessoas que curtem batata
frita no site tendem a ser mais inteligentes (?!), entre inúmeras outros
“estudos” de aplicabilidade duvidosa e resultados insólitos.
A assistente administrativa Larissa Diniz, de 27 anos, corrobora algumas
pesquisas e discorda de outras. “Flodadora” (atualizadora quase compulsiva) com
orgulho, ela publica diversos selfies por dia e vive compartilhando músicas, pensamentos, reclamações. Admite
que se entristece se não tem a resposta esperada.
— Meu perfil funciona como um diário. Estou constantemente pensando no
que vou postar, sempre ligada. Fico muito frustrada quando não reagem ao que eu
posto. Por outro lado, se os amigos interagem bastante, meu humor melhora —
afirma. — Mas não concordo com a pesquisa que diz que quem posta muito é mais
solitário. Claro que, em um domingo chuvoso, sozinha em casa, vou postar mais
do que o normal. Mas quando estou na noite com os amigos também publico um
monte de fotos.
Coordenador de mídias sociais, Renato de Andrade tem mais de três mil
amigos no Facebook e 10 mil seguidores no Twitter e faz do ofício seu
passatempo favorito: conectado quase o tempo todo, ele publica em média cinco
postagens diárias em sua página pessoal e gosta de provocar seus seguidores com
perguntas inusitadas, estimulando interações. O carioca de 30 anos é outro que
admite se deixar afetar pelas redes.
— Gosto de interação, de ver o que a galera está pensando, então também
fico frustrado quando coloco perguntas e ninguém responde — diz Renato. —
Agora, acho que, na verdade, todo mundo é um pouco solitário, mas cada um
encontra a sua forma de lidar com isso. Nesse sentido, o Facebook é até
positivo, porque dá a quem é tímido mais possibilidades de fazer amigos.
Pesquisas ajudam em tratamentos
Usuário ativo do Twitter, com mais de 52 mil seguidores, o designer
criador do popular site de humor “Jesus Manero” Victor Berriel, de 25 anos, diz
observar o impacto das redes na vida das pessoas diariamente, inclusive na sua:
— Vejo muita gente se comportando de formas que normalmente não faria se
não tivesse conta no Facebook. Com as redes sociais, qualquer pessoa pode
projetar o que quiser, e muitas moldam suas atitudes pelo modo como querem ser
vistas.
Colaboradora do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, a psicóloga Sylvia van Enck vê com
naturalidade a multiplicação das análises sobre o comportamento humano nas
redes. Para ela, isso é apenas um reflexo do peso que sites como o Facebook têm
na vida das pessoas:
— Somos diretamente afetados pelas dinâmicas das redes sociais. O nosso
trabalho no Instituto de Psiquiatria da USP acaba se respaldando muito no que é
publicado em termos de estudos sobre comportamento, tecnologia e internet. A
partir deles, buscamos ajudar aqueles que têm a vida prejudicada pelo uso
desmedido da rede. As pesquisas são o ponto de partida para um resultado
prático.
Referência quando o assunto são redes sociais e internet brasileira, a
cofundadora do site YouPIX Bia Granja diz que já foi mais empolgada com as
pesquisas acadêmicas sobre o comportamento dos usuários online. Os resultados
contraditórios e a maioria de conclusões negativas a levaram a observá-las mais
como meras curiosidades:
— Fico ressabiada, porque as pesquisas muitas vezes parecem enviesadas.
Muita gente também passou a vê-las com restrição. Tanto que a expressão
“estudos apontam” virou piada na rede.
As piadas com as pesquisas acadêmicas ganharam terreno fértil nos
próprios objetos de estudo delas. Há muitas páginas no Tumblr e no Facebook,
além de perfis no Twitter, que ressaltam o humor involuntário dos trabalhos
acadêmicos por meio de paródias e compilações de resultados absurdos. No
Twitter, um dos mais populares perfis do tipo é o Estudos Apontam (@ApontandoEstudo),
com mais de 45 mil seguidores. Nele, acumulam-se pílulas de irreverência, como
“Estudos apontam que é possível ir pra academia e não tirar foto” ou “Estudos
apontam: A bunda do Hulk tem vida própria”.
Para a psicóloga Mariana Matos, pesquisadora das redes sociais, pode-se
depreender alguns aspectos importantes sobre a personalidade e os maneirismos
das pessoas pelo uso que elas fazem das redes. Mas com parcimônia.
— Sem dúvida, os usuários acabam mostrando aspectos seus nas redes, seja
na maneira como se projetam, seja na forma como interagem. Mas isso acontece em
diferentes espaços da vida não digital também: não somos no trabalho as mesmas
pessoas que somos com amigos — compara Mariana. — Não dá para resumir as
pessoas às suas versões digitais. Não é porque alguém vive publicando selfies
que é necessariamente inseguro. As pessoas devem ter noção de que as pesquisas
envolvem fatores culturais e metodológicos particulares. Não se pode
interpretá-las como verdade absoluta. O comportamento do ser humano não é uma
ciência exata.
‘Tentativa de popularizar o conhecimento’
Escritora e especialista em redes sociais, Rosana Hermann diz ver no
crescente interesse do meio acadêmico uma tentativa de popularizar o
conhecimento, com produções que digam respeito a um público amplo. Apesar
disso, para ela há um evidente desprezo dos pesquisadores pela dinâmica da
internet — daí o negativismo predominante:
— Há pesquisas que são pura e simplesmente negativas. Geralmente são
aquelas genéricas e reducionistas “pessoas que usam tal rede são assim”. Os
estudos estão aumentando, mas ainda há muito rancor sobre o meio digital. E,
com isso, uma grande falta de percepção sobre o que realmente está acontecendo
nele. (Colaborou Marina Cohen)
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