MARIA RAMIM

Maria Ramim

sexta-feira, 10 de julho de 2015

EMPATIA


COMO A ANSIEDADE AFETA O SEU COROPO - REAÇÕES FISIOLÓGICAS: PSICOEDUCAÇÃO

Ninguém gosta de sofrer episódios de estresse ou ansiedade –e, quando isso se torna uma ocorrência crônica, os impactos podem variar de uma irritação pouco importante até um perigo para a saúde. Quer você esteja sofrendo uma situação altamente estressante isolada ou seja um dos 40 milhões de americanos que sofrem de transtorno de ansiedade, sua reação física à emoção pode afetá-lo de mais maneiras do que você imagina. Leia mais para descobrir como a ansiedade modifica seu corpo, quer seja uma reação imediata ao estresse ou uma batalha de longo prazo.

Alissa Scheller para o The Huffington Post.

Quando seu corpo sofre o efeito da ansiedade, você pode apresentar...

Problemas de garganta. Aquela voz esganiçada que parece ter tomado conta de suas cordas vocais é sua reação imediata a uma situação estressante. Quando sentimentos de ansiedade se manifestam, os fluidos são desviados para partes mais essenciais do corpo, provocando espasmos nos músculos da garganta. Isso resulta em constrição, deixando a garganta seca e provocando dificuldade em engolir.

Reações hepáticas. Quando o corpo sofre estresse e ansiedade, o sistema suprarrenal produz uma quantidade excessiva de cortisol, o hormônio do estresse. Essa produção hormonal leva o fígado a produzir mais glicose, o açúcar sanguíneo de alto teor energético que desencadeia nossas reações de “lutar ou fugir”. No caso da maioria das pessoas, esse açúcar sanguíneo adicional no corpo pode ser reabsorvido sem causar danos reais. Mas as pessoas com risco de diabetes podem ter problemas de saúde com o açúcar sanguíneo adicional.

Reações de pele. Aquele suor frio ou o rubor quente de seu rosto são sinais externos de estresse imediato e são devidos a uma mudança no fluxo sanguíneo. Quando sofremos ansiedade, o sistema “lutar ou fugir” do corpo manda mais sangue aos músculos – uma reação útil quando há necessidade imediata de usá-los. Mas uma exposição de longo prazo a essa reação pode acelerar o envelhecimento da pele. Outras reações de pele incluem a transpiração e até elevações no nível de histamina, que podem gerar inchaço. De acordo com o Centro Médico da Universidade de Maryland, o estresse e ansiedade agudos também podem desencadear eczema.

Ativação do baço. A ansiedade não afeta apenas os órgãos mais óbvios, como cérebro e coração: ela atinge até as funções internas, como o baço e as células sanguíneas. Para distribuir mais oxigênio ao corpo, que pode ter sofrido baixa de oxigênio durante a situação que provocou o estresse, o baço descarrega glóbulos vermelhos e brancos adicionais. Seu fluxo sanguíneo aumenta em 300% a 400% durante esse processo, para preparar o resto do corpo para demandas adicionais.

Tensão muscular. Quando você começa a sentir ansiedade, seu corpo naturalmente fica mais rígido, tensionando os grandes grupos musculares. O estresse e ansiedade crônicos podem exacerbar essa tensão, resultando em dores de cabeça, ombros enrijecidos, dor na nuca e até enxaquecas. As pessoas submetidas a estresse constante sofrem risco maior de problemas musculoesqueléticos crônicos.

Depois de algum tempo, a ansiedade crônica pode afetar...

Seu coração. Os estressados e ansiosos crônicos apresentam risco maior de problemas cardiovasculares, devido à frequência cardíaca constantemente elevada, a pressão sanguínea elevada e a superexposição ao cortisol. De acordo com a Associação Psicológica Americana, o estresse de longo prazo pode acarretar hipertensão, arritmias e um risco aumentado de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral.

Seus pulmões. Estudos comprovam que existe uma relação entre os sofredores de transtornos de ansiedade e a asma. Os asmáticos também têm probabilidade maior de sofrer ataques de pânico. De acordo com pesquisa conduzida pela USP, também pode existir um vínculo entre ansiedade, asma e seus efeitos sobre o equilíbrio.

Seu cérebro. A reação mais evidente à ansiedade é a resposta psicológica à condição. O estresse e ansiedade crônicos podem afetar áreas do cérebro que influenciam a memória de longo prazo, a memória de curto prazo e a produção química, o que pode resultar num desequilíbrio. Soma-se a isso o fato de que o estresse crônico pode ativar continuamente o sistema nervoso, que, por sua vez, pode influenciar outros sistemas do corpo, desencadeando reações físicas, desgaste corporal, fadiga e outros sintomas.

As pessoas que sofrem de ansiedade também têm dificuldade em adormecer, pelo fato de ficarem remoendo pensamentos preocupantes. Aproximadamente 54% das pessoas dizem que o estresse e a ansiedade influenciam sua capacidade de pegar no sono, e mais de 50% dos homens e 40% das mulheres sofrem dificuldades de concentração no dia seguinte em consequência disso, revela a Associação de Ansiedade e Depressão americana.

Seu sistema imunológico. A exposição ao estresse pode cobrar um preço do sistema imunológico, levando essa função a ser suprimida devido à reação “lutar ou fugir” de seu organismo. Estudos constataram também que, quando estamos estressados, temos mais chances de contrair um resfriado e ficamos mais suscetíveis a infecções e inflamações.

Seu estômago. Quando seu corpo sofre estresse, ele não regula corretamente a digestão dos alimentos. O estresse crônico e extremo pode ter efeitos de longo prazo sobre os intestinos e os nutrientes que eles absorvem, provocando refluxo, inchaço, diarreia e ocasionalmente até o descontrole intestinal.

O estresse e a ansiedade de longo prazo também podem alterar o metabolismo corporal, levando ao ganho de peso e possivelmente à obesidade. Um estudo constatou que a liberação constante de cortisol no sangue pode reduzir a sensibilidade à insulina, e outra pesquisa recente encontrou uma associação entre adultos que sofrem de ansiedade e úlceras diagnosticadas por médicos.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

FOBIA DA PSIQUÊ

Antônio Geraldo da Silva, psiquiatra: 'O pai do estigma se chama Hollywood'
Estudioso da psicofobia (pânico de doenças mentais), mineiro, que mora em Brasília e preside associação da classe, veio ao Rio a trabalho
POR LEONARDO CAZES
01/07/2015 6:00 / ATUALIZADO 01/07/2015 18:44


Segundo o presidente Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva, só no Brasil 50 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental - Pedro Kirilos / Agência O Globo
“Nasci em Grão Mogol, no interior de Minas Gerais, há 51 anos, passei a maior parte da vida em Montes Claros e atualmente moro em Brasília. Sou casado, tenho uma filha e faço doutoramento em psiquiatria na Universidade do Porto, em Portugal. Estou no meu segundo mandato à frente da Associação Brasileira de Psiquiatria”
Conte algo que não sei
Vou contar o que é psicofobia. Há milêniosexiste um grande preconceito contra doenças mentais. Várias pessoas foram queimadas em fogueiras porque ouviam vozes. Sempre foram segregadas, vistas como fardo.
Qual o tamanho desta população tão estigmatizada?
Só no Brasil temos cerca de 50 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental. No mundo, um bilhão. Em geral, ninguém sabe, nem os doentes, que escondem sua condição e ignoram que podem se tratar.
Por que números tão altos?
O estresse hoje em dia é um grande facilitador da doença mental, atuando em tendências preexistentes. Você dorme pouco, come mal, não se exercita e vive sob uma pressão brutal. Cinco das dez principais causas de afastamento do trabalho são relacionadas a transtornos mentais.
O ambiente de trabalho é hostil ao doente mental?
As pessoas não toleram que as outras mudem e que tenham perdas de produção. Aí dizem que é só preguiça, falta de vontade e até de caráter. Quem tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) sofre um preconceito monstruoso.
O que ocorre, no caso?
Virou moda dizer que essa doença não existe, que é inventada. Acontece que tem dois mil anos. Quero saber quem conheceu esse cara que a inventou.
Há o próprio preconceito do doente, não?
Tem o autopreconceito: “Não vou procurar um psiquiatra, não sou louco”. Só que isso muda completamente o prognóstico da doença, ela se torna crônica. O que mais queremos hoje é a intervenção precoce. Estimular uma mudança de comportamento aos primeiros sintomas para que nem seja preciso entrar com medicação. Claro que há casos em que ela é indispensável desde o início.
Quais são esses primeiros sinais das doenças?
Há várias possibilidades dependendo de qual doença. Tristeza, desânimo, falta de prazer, de alegria, em geral é depressão. Se o coração dispara, tem sensação de sufocamento, é transtorno de pânico. E assim em uma série de situações. Quando há modificações de hábitos ligados a instinto, como sono e apetite, tem que cuidar.
O medo do desconhecido explica o preconceito?
Sim. As pessoas acham que é perigoso porque não sabem do que se trata. Então é melhor separar, discriminar. Fizeram isso com os hospitais psiquiátricos. Por que não há unidades de psiquiatria no hospital geral? Porque ninguém quer doente mental dentro do hospital.
Por que o senhor escolheu a psiquiatria?
Porque eu gosto do ineditismo e também pela possibilidade que a especialidade dá de ajudar as pessoas que têm suas vidas destruídas por quadros psiquiátricos a voltarem a viver. Todo dia há um fato novo na psiquiatria. Nada se repete. E é isso que me impressiona.
Na queda do avião alemão, logo surgiu a informação de que o piloto tinha depressão. Isso aprofunda o estigma?

O pai do estigma, de sua difusão, se chama Hollywood. São filmes e mais filmes que discriminam o doente. Sabe quando a pessoa tem febre, não se consegue explicar a razão e chamam de virose? É a mesma coisa. Quando não se tem explicação para um fato, dizem que é doente mental, e tudo se resolve.

sexta-feira, 27 de março de 2015

REDE DE APOIO À SÍNDROME DE DOWN

Maria Antônia Goulart, advogada: ‘Impomos muito mais limites que a síndrome’
Especialista em políticas públicas da educação integral, gaúcha que mora no Rio é uma das idealizadoras do Movimento Down, criado após dar à luz Beatriz
POR EDIANE MEROLA

Coluna: "Conte algo que não sei."

Foi o Brasil que apresentou à ONU a proposta de transformar o 21 de março no Dia Internacional da Síndrome de Down. Isso não é muito sabido. O dia é simbólico porque se refere aos 3 cromossomos 21, que caracterizam a síndrome. Patricia Almeida, casada com um diplomata que estava em Nova York numa missão da ONU, e Cristiane Aquino, que era diplomata em Washington, por intermédio do Itamaraty, conseguiram o feito. As duas têm filhos com a síndrome. O Movimento Down começou aí.

Quando soube que teria uma filha com Down?

Assim que Beatriz nasceu. Na gravidez fiz o exame de translucência nucal, mas não acusou. É algo que acontece. Hoje há exames mais modernos, mas ainda muito caros.

Você teve mais filhos?

Tenho o Luiz, de 19 anos, a Beatriz, de 4, e a Marina, de 2. O geneticista que nos acompanhou deu um só conselho: tenha outro filho. Ajuda muito, tanto para a criança quanto para a família.

Como é a relação das pessoas com a síndrome?

As pessoas desconhecem o potencial de quem tem deficiência intelectual. Nós impomos muito mais limites que a síndrome, achando que estamos protegendo. Isso já impede a pessoa de viver, acertar, errar, como qualquer um.

E quanto ao comportamento da família?

A gente aprende a botar a síndrome no lugar dela. No começo, fica do tamanho da sala. Depois você passa a olhar de forma positiva. O Breno (Viola, faixa preta e judô e ator do filme “Colegas”, dirigido por Marcelo Galvão), que trabalha com a gente desde o início, foi aos Estados Unidos falar na ONU.

Breno falou inglês na ONU?

Ele até arranha, mas teve tradutor, e eu também. Ele é um exemplo de capacidade. Certa vez foi a um congresso na África do Sul, com uma monitora nossa. Lá chegando, soube que “Colegas” havia levado o Kikito de melhor filme. Ele queria ir, mas a monitora não poderia acompanhá-lo. Dei a opção de ir sozinho e ele aceitou. Fez conexão no Aeroporto Charles de Gaulle, que é enorme, chegou a São Paulo e pegou outro voo para Gramado. Hoje, de 15 em 15 dias, ele vai a São Paulo, pega ônibus, táxi, tudo sozinho.

Há limites de aprendizado?

Conheci um rapaz com outro problema: paralisia cerebral. É o cineasta Daniel Gonçalves. Fiquei impressionada quando ele me contou que trabalhou para a TV Globo e que tem a própria produtora, e disse: “Tenho paralisia cerebral, mas sei fazer”. E foi ele quem produziu nossos vídeos. Ele relata que às vezes, andando na rua, as pessoas acham ele vai cair, e ele quase cai, mas de susto. É um movimento instintivo, mas que cria uma barreira.

Como o a pessoa com Down ajuda a sociedade?

A experiência vem mostrando que ter uma pessoa com Down por perto traz desafios novos. Não podemos posicioná-la como fardo. Todos ganham quando há heterogeneidade.

Quais são as atividades do Movimento Down?

Reunimos experiências e as tornamos públicas; qualificamos pessoas para reproduzirem informações. Temos vídeos tutoriais, mandamos material com sugestões de atividade. Hoje temos quase 170 mil curtidas na página do Facebook. No Brasil, quase não havia informação. Diferente dos Estados Unidos, onde há uma rede muito estruturada.

Como a rede se mantém?

Temos uma equipe profissionalizada, mantida com patrocínio, e um grupo grande de voluntários, entre os quais uma médica do hospital Albert Einstein, que também tem um filho com Down.




TEXTO DE ADÉLIA PRADO: ENVELHECER



"Erótica é a Alma"

"Todos vamos envelhecer... 

Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. 

A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar. 

Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios. Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. 

Aprenda: bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio."

Adélia Prado

quinta-feira, 5 de março de 2015

BEM VINDO A HOLANDA: TENDO UM FILHO COM DESENVOLVIMENTO ATÍPICO

Por Emily Perl Knisley, 1987

Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias para a Itália ! Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos! O Coliseu. O Davi de Michelângelo. As gôndolas em Veneza. Você pode até aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante. Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma suas malas e embarca. Algumas horas depois você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz:
- BEM VINDO A HOLANDA!
- Holanda!?! - Diz você.
- O que quer dizer com Holanda!?!? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu sonhei em conhecer a Itália!
Mas houve uma mudança de plano vôo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar.
A coisa mais importante é que eles não te levaram a um lugar horrível, desagradável, cheio de pestilência, fome e doença. É apenas um lugar diferente.
Logo, você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar todo um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes.
É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor, começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrants e Van Goghs.
Mas, todos que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália, estão sempre comentando sobre o tempo maravilhoso que passaram lá. E por toda sua vida você dirá: - Sim, era onde eu deveria estar. Era tudo o que eu havia planejado!
E a dor que isso causa nunca, nunca irá embora. Porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. Porém, se você passar a sua vida toda remoendo o fato de não ter chegado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais sobre a Holanda!

sábado, 14 de fevereiro de 2015

OS DOIS SEGREDOS DE UMA RELAÇÃO DURADOURA: GENEROSIDADE E BONDADE

  • Ciência comprova: As relações que duram mais dependem de 2 coisas básicas

    Está sobrando agressividade, desrespeito e desinteresse em seu relacionamento? Esse estudo aponta duas coisas básicas que podem salvá-lo.

  • Milhares de casais se unem em matrimônio anualmente. No Brasil, o mês das noivas é maio, nos Estados Unidos, o mês mais popular para casamento é o mês de junho, onde em média 13.000 casais dizem "sim".
    Desses casais que decidem passar a vida juntos, muitos não conseguem levar o relacionamento por muito tempo. Se você parar agora e analisar quantos casais você conhece que se casaram e se divorciaram, certamente terá que anotar, ou perderá a conta. Pensando nisso, que o psicólogo, John Gottman, juntamente com sua esposa também psicóloga, Julie Gottman, realizaram um estudo com casais para entender melhor o motivo do fracasso e do sucesso de seus relacionamentos.
    A conclusão a que chegaram pode parecer óbvia demais, porém ao analisarmos os detalhes de nossos próprios relacionamentos, certamente identificaremos pontos que precisam de mais atenção.
    Segundo o estudo dos Gottmans, as duas coisas básicas que movem um relacionamento até o fim da vida são generosidade e bondade.
    John e Julie criaram o "The Lab Love" (O Laboratório do Amor), levaram 130 casais para seu laboratório do amor, onde passaram o dia realizando tarefas corriqueiras como comer, cozinhar, limpar, enquanto os cientistas sociais os analisavam. Ao fim das análises, os estudiosos classificaram os casais em dois grupos: mestres e desastres. Passaram-se seis anos e os casais foram chamados novamente. Os mestres permaneciam juntos e felizes. Os casais que pertenciam ao grupo "desastres" ou não estavam mais casados ou permaneciam juntos, porém infelizes. Esse resultado levou os cientistas a conclusão de que a generosidade é fundamental para o relacionamento entre o casal. Atos simples como responder a perguntas rotineiras com agressividade ou com generosidade afeta o futuro e a qualidade do seu relacionamento. Perguntas como: "Você viu aquele pássaro?" podem ser a deixa para a esposa demonstrar mais interesse pelos gostos do marido, agindo com generosidade e bondade, criando uma conexão entre os dois. Respostas ríspidas, desinteressadas ou ignorar o apontamento do seu companheiro por indiferença, significam bem mais do que apenas cansaço, ocupação, falta de tempo. Mas sim, podem representar que tudo é mais importante do que as coisas bobas que ele ou ela apreciam.
    O estudo apontou que temos duas respostas a escolher quando se trata das questões de nossos companheiros, podemos optar por respostas generosas que nos aproximam como casal ou respostas ríspidas que nos afastam um do outro. Os "mestres" escolhiam respostas generosas, criavam uma conexão com o companheiro, demonstrando-lhe interesse em suas necessidades emocionais. Pessoas que agem com bondade e generosidade, como os casais que pertenciam ao grupo de "mestres" preocupam-se em criar um ambiente de apreciação e gratidão pelo o que o companheiro faz, em contrapartida, casais "desastres" constroem um ambiente baseado na insatisfação, sempre apontando para os erros do outro, para o que ele deixou de fazer, esquecendo-se dos pontos positivos.
    A pesquisa mostrou que em situações como, o atraso da esposa ao se preparar para um jantar pode ser encarado pelo marido de duas maneiras diferentes: com bondade e generosidade ou com agressividade, concentrando-se apenas no fato de que ela sempre se atrasa, nunca se apronta na hora combinada, desconsiderando que o atraso pode ter sido motivado pelo tempo que ela gastou preparando uma surpresa para ele.
  • Generosidade e bondade

    Generosidade e bondade podem salvar seu relacionamento. Não estou dizendo que no dia de aniversário de casamento, uma vez ao ano, você fará aquela surpresa linda, e pronto. O que a pesquisa revelou implica na aplicação diária de doses de generosidade e bondade, seja relevando uma coisa aqui, sendo gentil em outra situação ali, evitando cobranças desnecessárias e sempre, sempre e sempre concentrar-se no que a outra pessoa fez e faz de positivo, não de negativo. Sua esposa foi ao supermercado e comprou só alimentos, esquecendo-se do creme dental? Você escolhe: seja agressivo e reclame do creme que ela esqueceu ou agradeça pela comida que comprou. Sua escolha dirá que tipo de relacionamento você está vivendo.
    John e Julie Gottman, após estudarem os casais com eletrodos enquanto conversavam, concluíram que casais do grupo "desastres" ficavam fisicamente afetados ao dialogarem com seus companheiros, fisiologicamente eram como se estivessem em guerra ou enfrentando um leopardo. Os "mestres" apresentavam passividade, relaxamento e tranquildade ao conversarem. E você? A qual grupo pertence?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

CRIAR UM FILHO

Meu filho, você não merece nada - Por: ELIANE BRUM

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada
eliane
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a "injustiça" e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam "felizes". Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que "fulano é esforçado" é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do "eu mereço".
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: "Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil"? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: "Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua". Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: "Olha, meu dia foi difícil" ou "Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso" ou "Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir". Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

sábado, 24 de janeiro de 2015

INTERCÂMBIO ENTRE GENÉTICA E INFLUÊNCIAS DO MEIO NO COMPORTAMENTO HUMANO: ESTRESSE E ANSIEDADE

24/01/2015
O respaldo da epigenética
Carmita Abdo
Não é de hoje que se discute a origem de nossas características, ações e reações, se geneticamente determinadas (inatas) ou resultado das influências do meio em que vivemos (adquiridas). Nem uma coisa, nem outra: ambas importam, o que também não é novidade. O novo, nisso tudo, é o crescente conhecimento da estreita relação entre o que é geneticamente transmitido e o que é influenciado pelo ambiente. Já se pesquisa como nosso comportamento pode ser alterado pela ação do meio sobre a expressão de nossos genes.
Epigenética é o nome que se dá ao mecanismo pelo qual ocorrem alterações nas expressões dos genes, determinadas pela interação entre constituição genética e exposição ambiental. De acordo com essa hipótese, a qual vem ganhando evidências, o estresse intenso provocaria mudanças na estrutura de uma proteína (cromatina), em regiões do cérebro (no sistema límbico, especialmente) de pessoas vulneráveis. Essas mudanças alterariam a manifestação dos genes, sem, no entanto, modificar a sequência original do DNA dessas pessoas.
Tal influência do estresse sobre a cromatina cerebral também ocorreria no início da vida, participando da determinação da capacidade de resistência/fragilidade (da criança em desenvolvimento) aos acontecimentos estressantes do dia a dia. Há fortes indícios da importância das modificações epigenéticas que ocorrem na primeira infância, determinando maior vulnerabilidade ao estresse. Em pesquisas com filhotes de camundongos, aqueles que receberam poucos cuidados maternos apresentaram comportamentos ansiosos, na idade adulta, mais frequentemente do que aqueles que tiveram alto nível de cuidados. Paralelamente a esse comportamento mais ansioso, foram observadas as alterações constitucionais descritas acima.
Mais instigantes ainda são as evidências de que os eventos estressantes podem alterar a susceptibilidade ao estresse em gerações futuras, por meio da transmissão transgeracional. De fato, animais submetidos à privação materna e que apresentam maior fragilidade ao estresse geram descendência similar.
Os mecanismos dessa transmissão transgeracional da vulnerabilidade ao estresse permanecem controversos. Apesar de já se saber que o estresse produz alterações epigenéticas em genes específicos do esperma, não se pode afirmar que essas alterações sejam a única causa dessa transmissão.
Outra causa pode ser comportamental: o cuidado materno modificado, frente à reprodução com machos previamente estressados. Mais estudos são necessários para conclusões.
Ampliando o contexto, vale lembrar que em Sexologia muito se comenta sobre a “ansiedade de desempenho” como mecanismo pelo qual uma falha isolada se torna “gatilho” para a dificuldade sexual permanente. Não conseguir obter ereção num encontro sexual pode gerar no homem insegurança, nas oportunidades futuras, o que provocará falhas sucessivas, exatamente pela ansiedade.
Frente ao que já se conhece sobre epigenética e transmissão transgeracional, evidencia-se a importância da prevenção de situações estressantes para as diversas áreas do comportamento. Para o comportamento sexual, não seria diferente. Isso reforça a ideia de educação sexual, desde os primeiros anos de vida, sem a urgência e o estresse que o “fantasma” do sexo de risco (gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis) impõe, quando esta educação se dirige a adolescentes já praticantes de sexo. Educação sexual sem estresse é um mecanismo pelo qual se evitam dificuldades sexuais na vida adulta. Vamos encarar ou continuar esperando que futuras pesquisas nos mostrem novos caminhos de prevenção às mazelas sexuais de todo tipo?
OBS.: Grifos do blog.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

QUANDO A VISÃO DEIXA DE SER O ESTIMULO PREDOMINANTE

Memória muscular
Adriana Calcanhotto
Sentada na sala de espera do médico oculista. Munida de paciência. Desde criança isso, passar de vez em quando uma tarde entre aplicações de colírios que dilatam as pupilas até a claridade ficar inteiramente insuportável. Senta na sala de espera para o colírio agir. Volta para a sala do médico. Volta para a penumbra da sala de espera e seus lindos livros de arte que ela sabe que estão ali mas não consegue mais ver. “Sacanagem” do Doutor, isso. Ali também as revistas semanais e a uma pilha de “National Geographic” com suas tribos distantes e mulheres de peito caído que tão lindos poemas são capazes de alimentar. Restam os fones de ouvido, mas tem aflição de, não enxergando, não ouvir o mundo à sua volta. Resigna-se então há anos a ouvir a secretária marcando e desmarcando consultas, “entendo, hoje o trânsito está parado”, “entendo, sua avó morreu de novo”, enquanto a rádio ligada baixinho no canal de música erudita é impedida de ser ouvida.
No sofá da sala de espera agora só percebe vultos, no outro sofá, à sua frente. Ouve ruídos que vêm de um vulto que espera já há mais tempo, folheando grossos livros de arte, e deseja que falte luz no consultório. Outros vultos entram e saem por portas, sapatos de mulher, salto médio, chão de mármore, andar duro, de mal com a vida, perfume doce demais, em total demasia. Range uma porta. De novo na sala do médico e de volta à sala de espera. No canto do sofá lateral, onde não é passagem, sentada, também à espera, a morte de alguém. Como pode ela saber que é a morte de alguém se não está enxergando coisa alguma? Talvez por isso mesmo? Terá vindo buscá-la, a ela que não está enxergando, que covardia, ou ao Doutor ou à moça da limpeza? Não move-se a morte; sentada espera, mas mesmo sem enxergar nada é possível ver que está viva e que não tem pressa, nem braços nem pernas cruzados, no sofá lateral.
Última parada na sala do médico e está liberada para voltar para casa e passar o resto do dia no escuro até o próximo amanhecer, se houver. A secretária preenche o cheque e põe o dedo no lugar da assinatura, para ajudar a localizar. Assina usando apenas a memória muscular, levanta-se e vai em direção à porta. Ouve da secretária, “querida, aí é o banheiro, a porta de saída é por aqui, lembra?”. Jamais deu-se por vencida, desde os primórdios das cansativas visitas ao oculista e dispara irônica: “sei que é o banheiro, poderia usá-lo, por favor?”. Mentira, achou que estava finalmente indo embora. Mas aproveita porque ao sair do banheiro poderá ver se a morte continua ali, se faz algum movimento no sentido de levantar-se também ou coisa que o valha. Saindo do banheiro, não que vá enxergar propriamente, mas saberá com certeza se o vulto gelado segue ou não ali. Será a última vez em que estará de frente para o sofá lateral, antes de virar-se de costas, para a saída. “Olha-se” no espelho por condicionamento. Tudo está igual e no mesmo lugar, sim, na sala de espera, quando abre a porta e sai. A secretária muito gentilmente acompanha-a até o elevador e aperta o botão indicando que a paciente que não tem coragem de virar-se e olhar para trás pretende descer. Como das outras vezes a secretária recomenda que “da próxima venha acompanhada, é mais confortável e seguro”. Agradece com um sorriso mas sabe que jamais pedirá a companhia de alguém para tarefa tão sem glamour, sempre foi assim desde que não precisou mais da mãe para marcar e levá-la às consultas. Não gosta de tomar o tempo alheio. Sabe que receber ajuda significa fomentar de volta a raiva de quem foi ajudado. Quando enxerga, adora ler Shakespeare. Não está vendo mas sabe que tem mãos, pés, ouvidos e detesta parecer frágil. Usa a técnica de chegar à calçada, plantar-se com o braço direito esticado até que um táxi livre pare para recolhê-la. Deu certo até aqui, deverá funcionar hoje também. Ecoa em seu ouvido o “da próxima” convicto da secretária, acha engraçado que ela possa dar uma garantia dessas sem pensar no que está dizendo. Estaria a morte esperando por ela, secretária, e pela bala perdida na descida do ônibus? Teria a morte embarcado no táxi, que demorou mas afinal apareceu? Impossível saber, desta vez a paciente embarcou no banco da frente. Sente-se mal, nunca teve medo da morte mas também nunca cogitou estar sem condições de olhá-la nos olhos, fosse para dizer “vamos” ou “ah não, agora não vai dar, tô ocupada, não dá tempo no momento, passa aí uma outra hora”. Assim desprevenida, fingindo que está enxergando, não vale. No táxi parado no trânsito parado, sem um palmo adiante, não tem como escapar de coisa alguma que não as suas idealizações infantis sobre o tal encontro de certo dia, ou noite, que sempre fantasiou acontecer “de igual para igual”. Quando enxerga adora ler Shakespeare, mas parece que não entende grande coisa. Gostaria de ter convicção de que aquela morte lhe pertence, acostumou-se a estar no controle, odiaria um engano fatal, consideraria injusto por alimentar crenças de que a natureza lida com algum tipo de senso de justiça. Talvez tenha comprado Shakespeare para dar função à estante e impressionar as visitas. Em todo caso, entra em casa e, usando a memória muscular, liga o computador e deixa já pronta a coluna para o jornal do domingo.
Observação: grifos do blog

UM LEGADO REVISTO

Nova biografia de Freud, escrita pela historiadora Elisabeth Roudinesco, é lançada na França
Autora, que faz palestras no Brasil em outubro, critica 'antifreudianismo' e desmonta lendas sobre criador da psicanálise
POR FERNANDO EICHENBERG, CORRESPONDENTE EM PARIS
27/09/2014

PARIS - A vida e a obra de Sigmund Freud (1856-1939), o criador da psicanálise, foram objetos de uma enormidade de estudos. Mais uma biografia, hoje, do célebre autor de “Interpretação dos sonhos” e “Totem e tabu”? Para a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco, a escrita de seu “Sigmund Freud — dans son temps et dans le nôtre” (Sigmund Freud — em seu tempo e no nosso) foi uma “imposição”. Com acesso aos novos arquivos abertos pela Biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos, a autora francesa mergulhou na vida e obra do biografado com a intenção de mostrar que Freud é um produto de seu tempo e, ao mesmo tempo, revelar verdades sobre as “lendas negras e douradas” edificadas sobre o personagem. O livro foi lançado este mês na França, pela editora Seuil, e tem publicação prevista no Brasil para 2015, pela Zahar.
Crítica severa de uma psicanálise a-histórica, Roudinesco condena a percepção da obra de Freud isolada do contexto de sua época, estudada como um corpus clínico à parte do mundo em que foi elaborada. Somado a isso os repetidos ataques protagonizados nos últimos 30 anos pelos “antifreudianos radicais”, hoje não se sabe mais quem é Freud, sustenta a autora em entrevista ao GLOBO em sua casa, em Paris.
Desde a primeira biografia de Freud, de autoria de Fritz Wittels, em 1924, passando pelos três volumes de “Vida e obra de Sigmund Freud”, de Ernest Jones, publicados entre 1953 e 1957 (lançados no Brasil pela Zahar), uma miríade de teses e ensaios foi produzida nos mais variados idiomas, entre os quais o título de referência “Freud: uma vida para o nosso tempo”, de Peter Gay, de 1988 (Companhia das Letras). O minucioso trabalho de 592 páginas de Roudinesco é reivindicado como a primeira biografia francesa do personagem, com uma nova abordagem e distanciamento de um Freud definido como um “conservador rebelde” e criador de uma “revolução simbólica” em um movimento que se perpetua.
Elisabeth Roudinesco será a principal convidada da “IX Jornada Bianual do Contemporâneo”, promovida pelo Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade, nos próximos dias 3 e 4, em Porto Alegre. No dia 6, estará no Rio para falar sobre “A psicanálise na situação contemporânea”, às 9h, no Instituto de Psicologia da Uerj. O Brasil, para ela, é hoje o “país mais freudiano do mundo”.

Por que Freud e este livro hoje?
A necessidade se fazia sentir ao longo de um certo tempo de renovar a abordagem de Freud. Sou o primeiro autor francês a fazê-lo, e o último de um longa série. E o primeiro a ir aos arquivos e utilizá-los de uma outra forma. É verdade também que o fim de um ciclo de ondas sucessivas de ódio a Freud, de lendas negativas, de livros negros, já faz 25 anos. Se foi muito longe no antifreudianismo, e se chegou a um ponto em que a opinião pública já estava farta de que se tratasse Freud de nazista, de incestuoso, de canalha. Era preciso restabelecer um pouco de verdade. Eu me dediquei a isto. Os psicanalistas nadam no anacronismo, na interpretação abusiva, porque para eles o contexto histórico não existe. Quis mostrar bem que Freud nasceu num mundo no qual não havia eletricidade, em que a promiscuidade de membros de uma mesma não era a mesma de hoje. Quando ele conta sua vida cotidiana, seja na “Interpretação dos sonhos” ou em outros escritos, é um dia a dia diferente de hoje. Freud foi criado numa família grande, com muitos empregados, sem água corrente. Ele vive nesta promiscuidade em que pode realmente elaborar a teoria dos substitutos. Quando ele vê suas cinco irmãs, vê sua mãe ou seu pai. Há modelos familiares que estão acabando no momento em que teoriza isto. Tive sempre a preocupação de o imergi-lo em seu contexto histórico, e de mostrar que ele e sua obra são um produto de seu tempo.
Na França, o país mais freudiano do mundo, segundo a senhora, há uma rejeição analítica da complexidade da história de Freud. Por quê?
Mais se é freudiano, menos se é histórico. Mas isto está acabando. A França foi o país da renovação da doutrina e não o da herança histórica. Gerações de psicanalistas se interessaram nos textos freudianos de forma estrutural: o corpus sem sua história. Não é um acaso se não houve biografia de Freud na França. Jones, qual seja a crítica que lhe possa ser feita, tem a preocupação da história. O mundo anglófono foi muito mais atento do que o francófono à questão de imergir Freud na história, mesmo se ainda restam como interpretações psicanalíticas. A psicanálise sendo cada vez menos forte na renovação teórica, a preocupação foi de historizar. E nos Estados Unidos, as querelas entre historiadores são muito mais importantes do que as disputas entre psicanalistas. Não é o caso na França. E também não é o caso no Brasil e na Argentina.

O argentino Emilio Rodrigué (1923-2008), primeiro biógrafo latino-americano de Freud, teve, na sua opinião, a “audácia de inventar um personagem mais próximo de um personagem de Gabriel García Márquez do que de um sábio originado da Velha Europa”. A senhora diz que cada país criou seu próprio Freud. Quem é o Freud brasileiro?
O Brasil tem esta vantagem de ser aberto a tudo. Os brasileiros são muito abertos à história da psicanálise e a todas as doutrinas, há um sincretismo. É o que foi chamado de antropofagia, este movimento que digere o que vem da Europa fazendo algo novo. Daí esta vivacidade. Embora a França seja mais forte no plano doutrinal, hoje provavelmente o país mais freudiano do mundo seja o Brasil. Porque no Brasil o ensino da psicanálise se mantém nas universidades de Psicologia, mais do que na Argentina. Mesmo que a implantação da psicanálise tenha sido feita pelos argentinos, que tiveram o golpe de gênio de implantar o kleinismo, o freudismo e o lacanismo. Mas a tradição universitária brasileira é muito forte. E o fato de que seja dividida em cidades é muito importante. Não é a mesma coisa no Rio, em Porto Alegre... E eles digeriram tudo que veio da Europa de forma antropofágica. Temos uma abertura maior no Brasil a tudo. O defeito, evidentemente, é que não há escola histórica, mas há uma tradição. Houve Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss, há uma abertura. Os brasileiros são ecléticos, e abertos a novas abordagens, enquanto na França os psicanalistas têm 25 anos de atraso em relação a sua história, infelizmente. E o dogmatismo lacaniano e psicanálitico em geral teve um papel nisso. Mas vamos chegar lá. Já o Freud brasileiro é eclético, é uma mistura de kleinismo, de lacanismo, de invenção brasileira. E neste ponto, Emilio Rodrigué colocou seu tempero. Ele faz variações em seu livro, é um romance latino-americano, se autoriza interpretações extravagantes, ,mas gosto disso, porque ao mesmo tempo há a seriedade do aparelho crítico.
A senhora muitas vezes respondeu a consecutivas iniciativas dos chamados “antifreudianos radicais”, como a tentativa de interdição de uma exposição sobre Freud em 1996, processos na justiça por difamação ou obras como “Mentiras freudianas”, de Jacques Bénesteau; “O livro negro da psicanálise — Viver, pensar e melhorar sem Freud”, organizado por Catheryne Meyer, ou “O crepúsculo de um ídolo, a fábula freudiana”, de Michel Onfray, com quem teve uma acirrada polêmica e que não tardou em atacar este seu último livro sobre Freud. O “antifreudianismo” ainda é forte?
Isto nunca acaba. Mas depois ter sido um movimento majoritário, se torna agora minoritário. Assim como os psicanalistas tiveram sua hora de glória majoritária, hoje são minoritários. Mas eles não vão desaparecer. Michel Onfray respondeu que não precisava ler este livro para saber o que havia nele. Quando se diz isso, é o fim de qualquer debate. Há anos ele recusa qualquer debate comigo, e nós nos conhecemos muito bem. Ele delirou, disse que eu o tratei de pedófilo. De qualquer forma, não é apenas em relação a Freud que ele diz qualquer coisa. Fez o mesmo sobre a Bíblia, Albert Camus, Sartre, Sade, e vai continuar. Mas num momento a verdade triunfa. Da mesma forma que caiu a Nova Filosofia, todas estas besteiras que há 30 anos nos envenenam. Foi uma corrente não universitária muito sedutora em seu início, jovem, com personalidades brilhantes. Mas que tinham como maior defeito contar qualquer coisa, como dizer que o goulag já existia em Marx e Engels. Isto é uma contraverdade histórica. E de um certo modo a França está pagando hoje por isto. Hoje, estamos na vingança dos historiadores e dos filósofos universitários contra os filósofos midiáticos não universitários. Estamos no fim da Nova Filosofia, do antifreudianismo radical. Vamos passar à herança real.
A senhora define Freud como um “conservador rebelde”. Por quê?
Sem dúvida é um conservador rebelde. Ele entrou em rebelião contra os modos de pensar majoritários de sua época. Ele é um liberal conservador, que induziu uma revolução do íntimo. É contemporâneo do socialismo, do comunismo, do feminismo, de todos os movimentos de emancipação. Mas sua característica é que retorne sempre ao Antigo, algo muito típico também de Viena e da cultura alemã. Para fazer uma revolução do íntimo, vai buscar modelos míticos na tragédia grega e não na modernidade literária, a qual, aliás, ele não entende muito bem. Ele tem este aspecto politicamente conservador, vota liberal, trabalha com os sociais-democratas em Viena, não confunde jamais o comunismo e o nazismo, mas não acredita que uma revolução social do tipo marxista vai dar certo. Ele é contemporâneo da Revolução Russa. Não é a favor das convulsões republicanas francesas. Mas seu movimento psicanalítico é aberto, com discípulos de todas as tendências, progressistas, conservadores. Ele era pela emancipação das mulheres, e contra a supressão das instituições. Há uma imagem muito justa de Freud: era favorável à morte do pai, ao regicídio, mas a favor de que se recolocasse um rei no trono. Isto é explicado em “Totem e Tabu”. Freud é regicida na condição de que reinstaure a monarquia depois de ter sido abolida. Não é republicano no sentido francês. Ele gosta muito de Paris, mas não é a favor de revoluções do tipo francês. O modelo para ele é Londres, o modelo econômico liberal inglês, e a cultura do Sul, a Itália e a Antiguidade romana.; e mais longe, a grega, e mais longe ainda, o Egito. Freud é um homem da bacia mediterrânica em seus sonhos, algo muito austríaco, entre o Norte e o Sul, e muito ligado ao modelo de monarquia constitucional. E ele é judeu, o que tem um papel considerável. Não é a favor do sionismo, à criação de um Estado judeu, prefere a diáspora, mas herdou algo desta rebelião. Para época de Freud, o inimigo é a religião. Ele é pela ciência. O que faz com que por vezes, em seu debate com o pastor Oskar Pfister (1873-1956), possa se enganar, confunde religião e fé. Mas para esta geração de homens sábios, originados do materialismo, o inimigo é o religioso. Ele tem isto em comum com Marx. Por isso é um conservador bastante singular. Ele é pela liberdade sexual, contra a pena de morte.
Um dos erros de Freud, segundo a senhora, é o de acreditar na construção de uma ciência.
Não é uma ciência, no sentido das ciências da Natureza. Ele sabia disto, por isso que abandonou o modelo fisiológico-neurológico. Mas não soube inscrever a psicanálise como uma disciplina integral na universidade. O que fez com que sempre tenha sido ensinada nos departamentos de Psicologia, Antropologia, Sociologia, Literatura e Filosofia. Teria podido fazê-lo? Não sei, talvez não. Talvez o destino da psicanálise seja o de não ser uma disciplina à parte. Mas hoje estamos novamente em um retrocesso, na ideia de que o corpo e o movimento são mais importantes do que a palavra. Mas isto não vai durar. Estamos numa encruzilhada, se foi muito longe na explicação estritamente química e orgânica do inconsciente. A psiquiatria biológica não existe mais como psiquiatria, ela é química. Há uma contestação. Quando se questiona a os resultados de Freud com seus pacientes, sua resposta é a de que a técnica psicanalítica trata as neuroses, não as psicoses. Durante trinta anos houve um reinado do “tudo químico”. Isto está acabando. Não por um retorno à psicanálise, mas como explicação demasiado totalitária, e pela rejeição dos pacientes. Freud elaborou uma clínica aplicada em seu início às neuroses. Mas eram neuroses graves. Ele mudou, a partir de 1914 percebeu a incurabilidade. Depois, o saber psicanalítico dominou toda a psiquiatria do século 20. Foi uma boa coisa. Antes do aparecimento dos psicotrópicos, era melhor ir em clínicas nas quais havia uma abordagem psicanalítica do que ser um simples sujeito de sanatório. A partir de 1945, os antigos asilos esvaziaram, foi um enorme progresso. E a ideia de combinar a cura pela palavra com medicamentos, para as psicoses, é uma bela definição. Sabemos que para um melhor tratamento da loucura são necessárias três abordagens, de meio ambiente, psíquica e medical. O problema é que mas nossas sociedades de hoje, com economias orçamentárias draconianas, não temos os meios de curar os loucos com os três meios. Então se passou ao “tudo químico”, que funciona mais rápido, mas que é catastrófico. A tripla abordagem se tornou impossível. Nas sociedades precarizadas como as nossas, os doentes mentais e os prisioneiros são muito mal tratados.
No livro, a senhora desconstrói “lendas” como as da autoanálise ou do complexo de Édipo freudianos.
Eu desfaço o complexo de Édipo. Freud não escreveu uma só linha, exceto sobre o declínio do complexo de Édipo. Falou do complexo de Édipo por tudo, mas não teorizou. A psicologia edipiana não se sustenta. O complexo de Édipo como psicologia de família não funciona. O genial é fazer crer a cada neurótico que ele é Hamlet ou Édipo em vez de um doente mental. É muito melhor ser um herói de teatro do que um simples doente mental em um sanatório. E ele não foi capaz de escrever sobre a metapsicologia. A autoanálise não existe, é uma lenda forte e inventada. O próprio Freud disse que era a “sua autoanálise”, mas não é uma autoanálise, e sim uma passagem pelo erro para se alcançar a verdade. A correspondência com Wilhelm Fliess (1858-1928) não é uma autoanálise, mas uma errância de sábios. Ele errou no irracional para conseguir elaborar uma doutrina que sai da fisiologia. A “pulsão de morte”, um dos momentos fortes de Freud, não começa em 1919, mas em 1914, quando ele se pergunta, para introduzir o narcisismo, por que nos autodestruímos. Penso também que Freud tinha a convicção de que o que acontecia na realidade social já estava no psiquismo. Isto é apaixonante. E tinha a convicção de que o que ele mesmo dizia era revelador do inconsciente, e apenas traduzia, e que a realidade se passava como no inconsciente. Isto não é verdade, mas quanta audácia!
A senhora aponta como uma das grandes forças de Freud a criação de mitos.
Outra audácia sua foi a de fundar uma ciência fundada nos mitos, na racionalidade do estudo dos mitos. Cada livro de Freud provocou debates no mundo inteiro. Quando ele publica “Totem e tabu”, que vai na contracorrente da antropologia moderna, o mundo acadêmico discute este ensaio completamente fora de moda. Isto significa que ele contribui com algo. Quando escreve seus três ensaios sobre a teoria sexual, em vez de fazer um tratado se sexologia, o caso de todos seus contemporâneos, ele se ocupa da teoria sexual das crianças. Para mostrar que o que se considerava como perversões não o era, e que somos todos perversos.
O que é a “revolução simbólica” de Freud?
A lenda é a de que Freud inventou tudo, de que não deve nada a sua época. Não é verdade. Ele inventa algo da ordem que defini como revolução simbólica, remodelando as representações de sua época. Nisso ele é inovador. Quando se lê os psicólogos contemporâneos de Freud, que são válidos, sua superioridade intelectual, literária e imaginativa é evidente. A fraqueza de Freud foi a de não poder introduzir esta disciplina na universidade. E sua força foi a de ter feito um movimento. Ele não cria uma seita, mas um movimento político, revolucionário, platonista. Ele e seus discípulos têm consciência desde o início de serem portadores de uma revolução simbólica. A prova é a de que possuem a preocupação da memória e da história, contrariamente aos psicanalistas. Tinham o pressentimento de que seu mundo iria desaparecer, o que vai ocorrer primeiro com a Primeira Guerra Mundial, e uma segunda vez, com o nazismo. Aprecio nos primeiros freudianos - que se disputam todo o tempo e que admiram mas não idolatram Freud – este sentimento de que seu mundo vai perecer. Daí vem a imigração, e o fato de que se deve levar a todos os países do mundo a lembrança de Viena. O exílio de Freud, sua casa, suas coleções, é a ideia de que já que tudo vai morrer com o nazismo, é preciso transportar a memória do movimento. Arquivos, fotografias, tudo é transportado para Washington ou Londres. É um gesto incrível. Freud não crer acreditar que o nazismo vai engolir Viena. Ele sabe, mas não quer aceitar. Ele espera por Hitler, e face a essa pulsão de morte, personalizada em Hitler, recua até o momento em que é preciso partir.
Entre as ditas “lendas fabricadas”, como senhora diz, estão suposições de Freud teria sofrido abuso sexual na sua infãncia, vivido uma relação com sua cunhada, abusado ele mesmo de sua sobrinha-neta ou em seu exílio em Londres abandonado suas irmãs, depois deportadas e exterminadas pelos nazistas.
Eu não encontrei nada disso nos arquivos. O que não se sabe é como foi a vida sexual de Freud antes de seu casamento. Ele teve provavelmente a adolescência de um jovem de Viena. Não gostava de prostíbulos, do adultério. As mulheres se casavam virgens. Não se sabe o que houve antes, mas se sabe o que veio depois. Ele tinha a necessidade de ter mulheres em seu entorno. Pratica a abstinência, não quer outro filho. Sua cunhada ocupa um lugar muito particular. É uma segunda esposa não sexuada, ele mesmo o diz. Mas é preciso ser completamente louco hoje para colar retrospectivamente o que é a sexualidade atual sobre o que era naquela época. Não há verdades ocultas, mas quis invalidar os falsos rumores. Houve pessoas que negaram a existência do câncer de Freud, o que é fascinante. Ele também não recomendou a Gestapo. Desminto tudo isso. Se construiu uma máquina de fantasias, sejam negras ou douradas, sobre o personagem.
A senhora coloca Freud no mesmo estatuto de Einstein, Darwin, Marx, Sartre, Simone de Beauvoir, Hannah Arendt ou Michel Foucault: pensadores rebeldes vítimas de rumores e injustiças.
Marx se tornou um explorador de mulheres, repugnante, responsável pelo goulag. Há teorias revisionistas sobre Einstein que dizem não ter sido ele o criador da teoria da relatividade, mas sua mulher. E teria sido um pai abominável porque tinha um filho psicótico. Tudo isto não se sustenta. Sobre Darwin também se inventou muita coisa. E sobre Simone de Beauvoir ou Sartre, que foi coberto de injúrias. Foucault foi acusado de ser responsável pela transmissão da Aids, e Jacques Derrida, de nazista. Para mim tudo isto deve ser banido. São visões apocalípticas. Sobre Freud, se discutiu quem teria lhe dado a última injeção. Se pretendeu que se teria ocultado o seu uso de cocaína, o que não é verdade. Se acusou Freud de introduzir a cocaína no mundo moderno. E o Freud fascista, amigo de Mussolini? Isso nunca. Sim, ele fez uma dedicatória a Mussolini, mas é preciso contextualizar. Há frases que Freud não pronunciou e que lhe são atribuídas. Há textos interpretados de forma equivocada, sem o contexto. Há de tudo. Estranhamente, os antifreudianos radicais não criticaram o que é criticável em Freud.
Por exemplo?
Não notaram muito as errâncias de Freud. Passam seu tempo a valorizar teses aberrantes para melhor criticar Freud. Os antifreudianos radicais pensam que Williem Fliess tinha razão contra Freud. Não sou por Wilhem Reich (1897-1957) contra Freud, por Otto Gross (1877-1920) contra Freud. Não é isto que se deve fazer, mas mostrar como o próprio Freud adota teorias extravagantes. É normal que Fliess seja hoje esquecido, ele tinha um sistema de pensamento irracional, mas fascinante. Pode-se ter muita simpatia por Reich, como eu tenho,, mas a teoria do orgônio é delirante. Os antifreudianos radicais passam todo o tempo a procurar antiheróis, não usam as verdadeiras críticas que poderiam ser feitas a Freud.
A senhora vê hoje uma crise do pensamento filosófico e da psicanálise hoje na França?
Estamos numa crise de herança na França, passageira, mas numa crise europeia, mundial do pensamento. Há hoje na França uma renovação evidente da filosofia, há uma geração de 40 anos que vai ser conhecida. Há uma renovação da antropologia, da sociologia. Menos para a psicanálise, porque eles estão acantonados na clínica. Daí a importância de um retorno de um Freud histórico. Penso que saímos de um período difícil do ódio a Freud, e hoje é preciso lê-lo de outra forma, como uma necessidade para os psicanalistas. Há trinta anos, os não psicanalistas leem melhor Freud do que os psicanalistas. O que não quer dizer que sejam maus clínicos. Eles não situam Freud na cultura do tempo de Freud, e assim não sabem situá-lo em nosso tempo. “Em seu tempo e no nosso” quer dizer: Freud que se constrói em seu tempo e que nos ilumina no nosso.