Antônio
Geraldo da Silva, psiquiatra: 'O pai do estigma se chama Hollywood'
Estudioso da psicofobia (pânico de doenças mentais), mineiro, que mora
em Brasília e preside associação da classe, veio ao Rio a trabalho
POR LEONARDO CAZES
01/07/2015 6:00 / ATUALIZADO 01/07/2015
18:44
Segundo o
presidente Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva, só
no Brasil 50 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental -
Pedro Kirilos / Agência O Globo
“Nasci em Grão Mogol, no interior
de Minas Gerais, há 51 anos, passei a maior parte da vida em Montes Claros e
atualmente moro em Brasília. Sou casado, tenho uma filha e faço doutoramento em
psiquiatria na Universidade do Porto, em Portugal. Estou no meu segundo mandato
à frente da Associação Brasileira de Psiquiatria”
Conte
algo que não sei
Vou contar o que é psicofobia. Há
milêniosexiste um grande preconceito contra doenças mentais. Várias pessoas
foram queimadas em fogueiras porque ouviam vozes. Sempre foram segregadas,
vistas como fardo.
Qual
o tamanho desta população tão estigmatizada?
Só no Brasil temos
cerca de 50 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental. No mundo,
um bilhão. Em geral, ninguém sabe, nem os doentes, que escondem sua condição e
ignoram que podem se tratar.
Por
que números tão altos?
O estresse hoje em dia é um
grande facilitador da doença mental, atuando em tendências preexistentes. Você
dorme pouco, come mal, não se exercita e vive sob uma pressão brutal. Cinco das
dez principais causas de afastamento do trabalho são relacionadas a transtornos
mentais.
O
ambiente de trabalho é hostil ao doente mental?
As pessoas não toleram que as
outras mudem e que tenham perdas de produção. Aí dizem que é só preguiça, falta
de vontade e até de caráter. Quem tem transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade (TDAH) sofre um preconceito monstruoso.
O
que ocorre, no caso?
Virou moda dizer que essa doença
não existe, que é inventada. Acontece que tem dois mil anos. Quero saber quem
conheceu esse cara que a inventou.
Há o
próprio preconceito do doente, não?
Tem o autopreconceito: “Não vou
procurar um psiquiatra, não sou louco”. Só que isso muda completamente o
prognóstico da doença, ela se torna crônica. O que mais queremos hoje é a
intervenção precoce. Estimular uma mudança de comportamento aos primeiros
sintomas para que nem seja preciso entrar com medicação. Claro que há casos em
que ela é indispensável desde o início.
Quais
são esses primeiros sinais das doenças?
Há várias possibilidades
dependendo de qual doença. Tristeza, desânimo, falta de prazer, de alegria, em
geral é depressão. Se o coração dispara, tem sensação de sufocamento, é
transtorno de pânico. E assim em uma série de situações. Quando há modificações
de hábitos ligados a instinto, como sono e apetite, tem que cuidar.
O
medo do desconhecido explica o preconceito?
Sim. As pessoas acham que é
perigoso porque não sabem do que se trata. Então é melhor separar, discriminar.
Fizeram isso com os hospitais psiquiátricos. Por que não há unidades de
psiquiatria no hospital geral? Porque ninguém quer doente mental dentro do
hospital.
Por
que o senhor escolheu a psiquiatria?
Porque eu gosto do ineditismo e
também pela possibilidade que a especialidade dá de ajudar as pessoas que têm
suas vidas destruídas por quadros psiquiátricos a voltarem a viver. Todo dia há
um fato novo na psiquiatria. Nada se repete. E é isso que me impressiona.
Na
queda do avião alemão, logo surgiu a informação de que o piloto tinha
depressão. Isso aprofunda o estigma?
O pai do estigma, de sua
difusão, se chama Hollywood. São filmes e mais filmes que discriminam o doente.
Sabe quando a pessoa tem febre, não se consegue explicar a razão e chamam de
virose? É a mesma coisa. Quando não se tem explicação para um fato, dizem que é
doente mental, e tudo se resolve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário