'Pele' artificial pode devolver sensação de
tato a amputados
Cientistas
desenvolvem material para revestir próteses do futuro
POR CESAR BAIMA
15/10/2015
18:21 / atualizado 15/10/2015 21:00
RIO - Reconstituir a sensação de tato é um dos maiores desafios atuais
na produção de próteses para membros amputados, como mãos, braços e pernas
mecânicas, mas um novo modelo de “pele” artificial desenvolvido por
pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, pode ser o caminho para a
solução do problema. Tirando vantagem dos rápidos avanços na fabricação de
circuitos eletrônicos flexíveis, eles criaram um material capaz não só de
detectar variações de pressão ao toque similares às experimentadas pela pele
natural como gerar sinais que podem ser assim interpretados por neurônios do
sistema somatossensorial. Com isso, os usuários das próteses do futuro
revestidas com este material poderiam recuperar controle motor para realizar
tarefas delicadas, além de obter uma estimulação sensorial que pode aliviar a
chamada dor do membro fantasma, mal que afeta cerca de 80% dos amputados.
- Esta é a primeira vez que um material flexível parecido com a pele
pôde detectar pressão e também transmitir um sinal para um componente do
sistema nervoso – diz Zhenan Bao, professora da Universidade de Stanford e
líder da pesquisa, cujos resultados foram publicados na edição desta semana da
revista “Science”.
A “pele” artificial sensível ao toque é composta por duas camadas de material
plástico, em que a de cima funciona como mecanismo sensor enquanto a de baixo
atua como um circuito que transporta os sinais elétricos produzidos e os traduz
em estímulos bioquímicos compatíveis com os das células nervosas. Há cinco
anos, Zhenan e sua equipe, que buscam uma solução para o problema do tato em
próteses há uma década, já haviam descrito como usar plásticos e borrachas como
sensores de pressão com base na elasticidade natural de suas estruturas
moleculares, melhorando sua sensibilidade ao unir os materiais em uma estrutura
parecida com um biscoito em camadas.
A partir disso, os cientistas espalharam bilhões de nanotubos de carbono
pelo novo material, de forma que, quando submetido à pressão, ele aperte os
nanotubos, permitindo que conduzam eletricidade. Assim, a “pele” artificial
pode imitar o comportamento da pele humana natural, que transmite informações
sobre a pressão para o cérebro na forma de pequenos pulsos elétricos. Esses
pulsos funcionam de modo similar ao código Morse, com mais pressão espremendo
os nanotubos cada vez mais próximos, fazendo com que mais eletricidade flua
pelo sensor. Com menos pressão, o fluxo de pulsos diminui, indicando um toque
leve, e na ausência de pressão os pulsos cessam por completo.
O trabalho dos cientistas, no entanto, não acabou aí. Ainda era preciso
encontrar uma maneira de transmitir estes pulsos para células nervosas de modo
que elas pudessem interpretá-los como uma sensação de tato. Para tanto, eles se
uniram a pesquisadores da PARC, uma empresa do grupo Xerox, que desenvolveram
tecnologia que usa impressoras do tipo jato de tinta para fazer circuitos
eletrônicos flexíveis em plásticos. Com isso, eles puderam produzir uma segunda
camada do material com dimensões que permitem seu uso prático como “pele”
artificial.
Por fim, os cientistas de Stanford também tiveram que provar que o
conjunto gera sinais que podem ser reconhecidos por um neurônio. Para isso,
eles adaptaram técnica desenvolvida por Karl Deisseroth, também professor da
universidade americana, que uniu genética e ótica no crescente campo de estudos
conhecido como optogenética. Com base nos princípios da optogenética, eles
produziram neurônios modificados sensíveis a frequências específicas de luz
para simular o sistema nervoso humano e traduziram os sinais gerados pela
“pele” artificial em pulsos luminosos, que então ativaram estes neurônios
quando submetida à pressão.
Segundo Zhenan, a optogenética foi usada apenas para demonstrar que a
“pele” artificial funciona e é compatível com sistemas biológicos, e outros
métodos de estímulo das células nervosas deverão tomar seu lugar nas futuras
próteses sensíveis ao toque, provavelmente uma estimulação elétrica direta. Os
pesquisadores também esperam desenvolver e integrar à “pele” artificial outros
sensores capazes de detectar as diferenças entre uma superfície áspera e uma
macia, assim como entre uma fria e outra quente, ampliando a gama de sensações
que ela pode transmitir.
- Ainda temos muito trabalho pela frente para levar isso dos
experimentos para aplicações práticas – reconhece Zhenan. - Mas depois de
trabalhar muitos anos nisso, agora vejo um caminho claro por onde podemos
conduzir nossa pele artificial.